sábado, 10 de outubro de 2009

As alças da Mente






As alças da mente


"O pensamento pode voar, mas a mente gosta mesmo é de uma prisão. A
mente gosta de prender-se voluntariamente a tudo o que não muda, ao
que permanece, ao que se repete e ao que é sempre igual. Por isso, a
mente adora lembranças e memórias. Porque o passado já passou e não
pode ser mais mudado. O passado é permanente. A mente acha isso o
máximo. É como administrar uma empresa onde nada pode dar errado. O
medo da mente é justamente este, administrar imprevistos.

Outra coisa que a mente ama de paixão é o padrão, porque como o nome
já diz, o padrão não muda. Um metro, uma hora, o mesmo caminho para o
trabalho, voltar ao mesmo restaurante e sentar à mesma mesa, são
padrões que toda mente humana gosta de repetir. Ah, que prazer que a
mente sente quando a bunda senta na mesma cadeira que sentou na aula
anterior! A repetição dá segurança, porque cria a falsa ilusão de que
nada vai mudar. E se nada mudar, nada de ruim poderá acontecer. Tudo
será igual, com o mesmo final feliz, como antes.

Crianças adoram ver filmes mil vezes porque se sentem seguras, porque
podem antecipar as próximas cenas (se na vida fosse assim...) e porque
têm certeza de como a história terminará. Já as mentes adultas,
especialmente as obsessivas em qualquer grau, adoram a matemática. A
matemática é a única ciência exata e imutável. Enquanto a física e
química, a biologia, por exemplo, estão sujeitas a variáveis da vida
real, a matemática continua igual. Daí o fato de que toda mente
obsessiva gosta de contar, manipular números. As contas são sempre
exatas, não mudam. E se você contar todos os passos e chegar
direitinho à padaria com seus mil passos, então, podemos concluir que
sua mãe não vai morrer e nada vai dar errado no seu dia. Certo?
Errado.

Errado porque a mente vive num mundo irreal. Mundo da mente é como
caspa, só existe na sua cabeça. Tudo é mera ilusão. E, com perdão do
excesso de realidade fisiológica, o mundo está cagando e andando pras
suas ilusões mentais. Como o mundo já provou, uma batida de asas de
borboleta na África pode influenciar mais a ocorrência de um tsunami
na Ásia do que sua contagem de azulejos no banheiro. Porque a
borboleta é real e seu pensamento, não.

O problema é que a mente não quer nem saber disso e provavelmente
muitos já terão abandonado este texto nas primeiras linhas. Espertos,
porque sabem que vou contar um segredo sobre eles: a mente fabrica
alças. Sim, alças, onde ela, a mente, possa se apegar. Uma alça, como
aquele putaqueopariu do carro, onde a gente segura a vida quando
o motorista não é de confiança. Como o santoantonio dos jipes. A alça
pode ser um nome, um amuleto, uma mania, uma repetição qualquer. A
mente é chata, mas criativa, e assim, inventou a alça-sem-mala. Nesta
alça ela se apega até a morte.

É uma crença, um dogma, uma frase feita, um chavão, um lugar-comum:
"Angélica ficou mais bonita depois que teve filho"; "Vaso ruim não
quebra"; "Jesus voltará"... Qualquer alça é boa pra mente: "A cadeia é
a universidade do crime", "Direituzumanu só tem bandidu"... Se a mente
se acha fraca, ela inventa uma alça para se sentir forte, tipo: "Sou
feia, mas tô na moda".

A mente inventa que se a pessoa perder dez quilos vai ser feliz e
tudo vai dar certo na vida. Troca nomenclaturas, pra se sentir por
cima. Porque uma coisa é dizer que você tem TOC e outra coisa é
assumir que você é um obsessivo chato, que ninguém agüenta conviver a
seu lado e por isso você precisa de tratamento sério com remédio e
tudo mais. A mente inventa alças pra não cair em si. Mas cair em si é
a única forma de tomar consciência - primeiro passo para melhorar.

Portanto, remova todas as alças. Caia. Caia em si. Tá gordo? Tá
gordo, então, vamos emagracer. Tá infeliz? Sai dessa, viva a vida,
aproveite. Tá duro? 'Bora ganhar dinheiro'. Só não fique aí, com essa
cara de passageiro do circular da eternidade, vendo a vida passar na
fresta da janelinha de um puta ônibus cheio, segurando firme na alça
do medo, pois você tem que dar o sinal e descer para a liberdade do
imprevisível".

Rosana Hermann

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